Se entre todas as substâncias o sangue é a mais misteriosa, e em alguns sentidos a mais sagrada. A Escritura nos ensina — e afinal há muito filosofia na Escritura — que "o sangue é a vida dele" — que a vida jaz no sangue. Sangue, portanto, é o elo misterioso entre matéria e espírito. Como é que a alma deveria em qualquer grau ter uma aliança com a matéria através do sangue, não podemos entender; mas certo é que este é o elo misterioso que une estas coisas aparentemente dessemelhantes, para que a alma possa habitar o corpo, e a vida possa residir no sangue. Deus tem anexado terrível sacralidade ao derramamento de sangue. Sob a dispensação judaica, mesmo o sangue de animais era considerado como sagrado. Sangue nunca podia ser comido pelos judeus; era coisa sagrada demais para tornar-se alimento do homem. O judeu mal era permitido matar seu próprio alimento: certamente não devia matá-lo exceto se derramasse o sangue como uma oferenda sagrada a Deus Todo-Poderoso. Sangue foi aceito por Deus como o símbolo da expiação. "Sem derramamento de sangue não há remissão de pecado," porque, tomo, o sangue tem tal afinidade com a vida, que visto que Deus não aceitaria nada senão sangue, ele significava que deve haver uma vida oferecida a ele, e que seu grande e glorioso Filho deve entregar sua vida como sacrifício por suas ovelhas.
Ora, temos em nosso texto "sangue" mencionado — sangue duplo. Temos o sangue do assassinado Abel, e o sangue do assassinado Jesus. Temos também duas coisas no texto: — uma comparação entre o sangue da aspersão, e o sangue de Abel; e então uma certa condição mencionada. Antes, se lermos o verso inteiro a fim de obter seu significado, achamos que os justos são falados como vindo ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o sangue de Abel; de modo que a condição que constituirá a segunda parte de nosso discurso, é vir àquele sangue da aspersão para nossa salvação e glória.
Sem mais prefácio introduzirei imediatamente a vós o CONTRASTE E COMPARAÇÃO IMPLÍCITOS NO TEXTO. "O sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel." Confesso que fiquei muito espantado quando olhando o Dr. Gill e Albert Barnes, e vários dos comentaristas mais eminentes, enquanto estudava esta passagem, de achar que anexam um significado a este verso que nunca me havia ocorrido antes. Dizem que o significado do verso não é que o sangue de Cristo é superior ao sangue do assassinado Abel, embora aquilo seja certamente uma verdade, mas que o sacrifício do sangue de Cristo é melhor, e fala melhor do que o sacrifício que Abel ofereceu. Ora, embora não pense que este seja o significado do texto e tenha minhas razões para crer que o sangue aqui contrastado com o do Salvador, é o sangue do homem assassinado Abel, contudo ao olhar para o original há tanto a ser dito de ambos os lados da questão, que penso justo ao explicar a passagem dar-vos ambos os significados. Não são interpretações conflitantes; há de fato uma sombra de diferença mas ainda totalizam a mesma ideia.
Primeiro, então, podemos entender aqui uma comparação entre as oferendas que Abel apresentou, e as oferendas que Jesus Cristo apresentou, quando deu seu sangue para ser resgate pelo rebanho.
Deixai-me descrever a oferenda de Abel. Não tenho dúvida de que Adão havia desde o primeiro de sua expulsão do jardim do Éden oferecido um sacrifício a Deus; e temos alguma sugestão obscura de que este sacrifício foi de um animal, pois achamos que o Senhor Deus fez para Adão e Eva peles de animais para serem suas roupas, e é provável que aquelas peles fossem obtidas pela matança de vítimas oferecidas em sacrifício. Contudo, aquela é apenas uma sugestão obscura: o primeiro registro absoluto que temos de um sacrifício oferecido é o registro do sacrifício oferecido por Abel. Ora, parece que muito cedo houve uma distinção entre os homens. Caim era o representante da semente da serpente, e Abel era o representante da semente da mulher. Abel era o eleito de Deus, e Caim era um daqueles que rejeitaram o Altíssimo. Contudo, tanto Caim quanto Abel uniram-se no serviço exterior de Deus. Ambos trouxeram num certo dia alto um sacrifício. Caim tomou uma visão diferente do assunto do sacrifício daquela que se apresentou à mente de Abel. Caim era orgulhoso e altivo: disse "Estou pronto a confessar que as misericórdias que recebemos do solo são o dom de Deus, mas não estou pronto a reconhecer que sou um pecador culpado, merecedor da ira de Deus, portanto," disse, "não trarei nada senão o fruto da terra." "Ah, mas" disse Abel, "sinto que embora devesse ser grato pelas misericórdias temporais, ao mesmo tempo tenho pecados a confessar, tenho iniquidades a ser perdoadas, e sei que sem derramamento de sangue não há remissão de pecado; portanto," disse, "Ó Caim, não me contentarei em trazer uma oferenda da terra, das espigas de milho, ou dos primeiros frutos maduros, mas trarei dos primogênitos de meu rebanho, e derramarei sangue sobre o altar, porque minha fé é, que há de vir uma grande vítima que realmente fará expiação pelos pecados dos homens, e pela matança deste cordeiro, expresso minha fé solene nele." Não assim Caim; não se importava com Cristo; não estava disposto a confessar seu pecado; não tinha objeção a apresentar uma oferta de ação de graças, mas uma oferta pelo pecado não traria. Não se importava de trazer a Deus aquilo que pensava que poderia ser aceitável como retorno por favores recebidos, mas não traria a Deus um reconhecimento de sua culpa, ou uma confissão de sua incapacidade de fazer expiação por ela, exceto pelo sangue de um substituto. Caim, além disso, quando veio ao altar, veio inteiramente sem fé. Empilhou as pedras não lavradas, como Abel fez, pôs seus feixes de milho sobre o altar, e ali esperou, mas para ele era questão de indiferença comparativa se Deus o aceitava ou não. Cria que havia um Deus, sem dúvida, mas não tinha fé nas promessas daquele Deus. Deus havia dito que a semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente — aquele era o evangelho como revelado a nossos primeiros pais; mas Caim não tinha crença naquele evangelho — se fosse verdade ou não, não se importava — era suficiente para ele que adquirisse o bastante para sua própria sustentação do solo; não tinha fé. Mas o santo Abel ficou ao lado do altar, e enquanto Caim o infiel talvez ria e zombava de seu sacrifício, apresentou ousadamente ali o cordeiro sangrando como testemunho a todos os homens, tanto daquele tempo quanto de todos os tempos futuros, que cria na semente da mulher — que esperava por aquele que viria que deveria destruir a serpente, e restaurar as ruínas da queda. Vedes o santo Abel, ficando ali, ministrando como sacerdote no altar de Deus? Vedes o rubor de alegria que vem sobre sua face, quando vê os céus abertos, e o fogo vivo de Deus descer sobre as vítimas? Notais com que expressão grata de fé confiante levanta ao céu seu olho que antes havia estado cheio de lágrimas, e clama: "Graças te dou ó Pai, Senhor do céu e da terra, que aceitaste meu sacrifício, visto que o apresentei através da fé no sangue de teu Filho, meu Salvador, que há de vir."
O sacrifício de Abel, sendo o primeiro registrado, e sendo oferecido em face da oposição, tem muito nele que o põe à frente de muitos outros dos sacrifícios dos judeus. Abel deve ser grandemente honrado por sua confiança e fé no Messias vindouro. Mas comparai por um momento o sacrifício de Cristo com o sacrifício de Abel, e o sacrifício de Abel encolhe na insignificância. Que trouxe Abel? Trouxe um sacrifício que mostrava a necessidade do derramamento de sangue mas Cristo trouxe o próprio derramamento de sangue. Abel ensinou o mundo por seu sacrifício que esperava por uma vítima, mas Cristo trouxe a vítima real. Abel trouxe apenas o tipo e a figura, o Cordeiro que era apenas uma imagem do Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo; mas Cristo era aquele Cordeiro. Era a substância da sombra, a realidade do tipo. O sacrifício de Abel não tinha mérito nele separado da fé no Messias com a qual o apresentou; mas o sacrifício de Cristo tinha mérito em si mesmo; era em si mesmo meritório. Que era o sangue do cordeiro de Abel? Não era nada senão o sangue de um cordeiro comum que poderia ter sido derramado em qualquer lugar, exceto que ele tinha fé em Cristo o sangue do cordeiro era apenas como água, uma coisa desprezível; mas o sangue de Cristo era um sacrifício de fato, mais rico muito que todo o sangue de animais que jamais foram oferecidos sobre o altar de Abel, ou o altar de todos os sumos sacerdotes judaicos. Podemos dizer de todos os sacrifícios que jamais foram oferecidos, por mais caros que pudessem ser, e por mais aceitáveis a Deus, embora fossem rios de azeite e dezenas de milhares de animais gordos, contudo eram menos que nada, e desprezíveis, em comparação com o um sacrifício que nosso sumo sacerdote ofereceu uma vez por todas, pelo qual aperfeiçoou eternamente os que são santificados.
Assim achamos muito fácil expor a diferença entre o sangue da aspersão de Cristo e o sangue que Abel aspergiu. Mas agora tomo que há um significado mais profundo que este, apesar do que alguns comentaristas disseram. Creio que a alusão aqui é ao sangue do assassinado Abel. Caim feriu Abel, e sem dúvida suas mãos e o altar foram manchados com o sangue daquele que havia agido como sacerdote. "Ora," diz nosso apóstolo, "aquele sangue de Abel falou." Temos evidência de que falou, pois Deus disse a Caim: "A voz do sangue de teu irmão clama a mim desde a terra," e o comentário do apóstolo sobre aquilo noutro lugar é — "Pela fé Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo, Deus testificando dos seus dons; e por ela, depois de morto, ainda fala," fala através de seu sangue, seu sangue clamando a Deus desde a terra. Ora, o sangue de Cristo fala também. Qual é a diferença entre as duas vozes? — pois somos informados no texto que "fala melhor do que o de Abel."
O sangue de Abel falou de maneira tríplice. Falou no céu; falou aos filhos dos homens; falou à consciência de Caim. O sangue de Cristo fala de maneira tríplice semelhante, e fala melhor.
Primeiro, o sangue de Abel falou no céu. Abel era um homem santo, e tudo que Caim podia trazer contra ele era: "Suas próprias obras eram más, e as de seu irmão eram justas." Vedes os irmãos indo ao sacrifício juntos. Notais o cenho negro na testa de Caim, quando o sacrifício de Abel é aceito enquanto o seu permanece intocado pelo fogo sagrado. Notais como começam a falar juntos — quão quietamente Abel argumenta a questão, e quão ferozmente Caim o denuncia. Notais novamente como Deus fala a Caim, e o adverte do mal que sabia estar em seu coração; e vedes Caim, enquanto vai da câmara de presença do Altíssimo, advertido e pré-advertido; mas contudo com o pensamento terrível em seu coração de que sujará suas mãos no sangue de seu irmão. Encontra seu irmão; fala amigavelmente com ele: dá-lhe, por assim dizer, o beijo de Judas; atrai-o ao campo onde está só; toma-o desprevenido; fere-o, e fere-o ainda novamente, até que ali jaz o cadáver assassinado sangrando de seu irmão. Ó terra! terra! terra! não cubras seu sangue. Este é o primeiro assassinato que jamais viste; o primeiro sangue de homem que jamais manchou teu solo. Escutai! há um clamor ouvido no céu, os anjos estão espantados; levantam-se de seus assentos dourados, e perguntam: "Que clamor é este?" Deus olha sobre eles, e diz: "É o clamor de sangue, um homem foi morto por seu semelhante; um irmão por aquele que veio das entranhas da mesma mãe foi assassinado a sangue frio, através de malícia. Um de meus santos foi assassinado, e aqui vem ele." E Abel entrou no céu vermelho de sangue, o primeiro dos eleitos de Deus que havia entrado no Paraíso, e o primeiro dos filhos de Deus que havia usado a coroa vermelha de sangue do martírio. E então o clamor foi ouvido, alto e claro e forte; e assim falou — "Vingança! vingança! vingança!" E o próprio Deus, erguendo-se de seu trono, convocou o culpado à sua presença, questionou-o, condenou-o de sua própria boca, e fez-o daí em diante um fugitivo e vagabundo, para vagar sobre a superfície da terra, que seria estéril daí em diante ao seu arado.
E agora, amados, apenas contrastai com isto o sangue de Cristo. Aquele é Jesus Cristo, o Filho encarnado de Deus; pende numa árvore; é assassinado — assassinado por seus próprios irmãos. "Veio para os seus, e os seus não o receberam, mas os seus o conduziram à morte." Sangra; morre; e então é ouvido um clamor no céu. Os anjos espantados novamente saltam de seus assentos, e dizem: "Que é isto? Que clamor é este que ouvimos?" E o Poderoso Criador responde ainda novamente: "É o clamor de sangue; é o clamor do sangue de meu unigênito e bem-amado Filho!" E Deus, erguendo-se de seu trono, olha do céu e escuta o clamor. E qual é o clamor? Não é vingança; mas a voz clama: "Misericórdia! misericórdia! misericórdia!" Não ouvistes? Disse: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem." Nisto, o sangue de Cristo "fala melhor do que o de Abel," pois o sangue de Abel disse: "Vingança!" e fez a espada de Deus saltar de sua bainha; mas o sangue de Cristo clamou "Misericórdia!" e enviou a espada de volta novamente, e ordenou-lhe dormir para sempre.
Notareis também que o sangue de Abel clamou por vingança sobre apenas um homem — sobre Caim; requereu a morte de apenas um homem para satisfazê-lo, a saber, a morte do assassino. "Sangue por sangue!" O assassino deve morrer a morte. Mas que diz o sangue de Cristo no céu? Fala por apenas um? Ah! não, amados; "o dom gratuito veio sobre muitos." O sangue de Cristo clama misericórdia! misericórdia! misericórdia! não sobre um, mas sobre uma multidão que homem algum pode contar — dez mil vezes dez mil.
Novamente: o sangue de Abel clamou ao céu por vingança, por uma transgressão de Caim; por tudo que Caim havia feito, inútil e vil antes, o sangue de Abel não demandou qualquer vingança: foi pelo um pecado que o sangue clamou no trono de Deus, e não por muitos pecados. Não assim a voz do sangue de Cristo. É "de muitas ofensas para justificação." Oh, puderíeis ouvir aquele clamor, aquele clamor todo-prevalecente, como agora vem do cume do Calvário — "Pai, perdoa-lhes!" não um, mas muitos. "Pai, perdoa-lhes." E não apenas perdoa-lhes esta ofensa, mas perdoa-lhes todos os seus pecados, e apaga todas as suas iniquidades. Ah! amados, poderíamos ter pensado que o sangue de Cristo teria demandado vingança das mãos de Deus. Certamente, se Abel é vingado sete vezes, então Cristo deve ser vingado setenta vezes sete. Se a terra não engoliria o sangue de Abel, até ter tido seu tanto, certamente poderíamos ter pensado que a terra nunca teria coberto o cadáver de Cristo, até Deus ter ferido o mundo com fogo e espada, e banido todos os homens à destruição. Mas, ó sangue precioso! não dizes uma palavra de vingança! Tudo que este sangue clama é paz! perdão! perdão! misericórdia! aceitação! Verdadeiramente "fala melhor do que o de Abel."
Novamente: o sangue de Abel teve uma segunda voz. Falou ao mundo inteiro. "Estando morto ainda fala" — não apenas no céu, mas na terra. Os profetas de Deus são um povo que fala. Falam por seus atos e por suas palavras enquanto vivem, e quando são sepultados falam por seu exemplo que deixaram para trás. Abel fala por seu sangue a nós. E que diz? Quando Abel ofereceu sua vítima sobre o altar disse a nós: "Creio num sacrifício que será oferecido pelos pecados dos homens," mas quando o próprio sangue de Abel foi aspergido no altar pareceu dizer: "Aqui está a ratificação de minha fé; selo meu testemunho com meu próprio sangue; tendes agora a evidência de minha sinceridade, pois estava preparado a morrer pela defesa desta verdade da qual agora testifico a vós." Foi grande coisa para Abel assim ratificar seu testemunho com seu sangue. Não teríamos crido nos mártires nem metade tão facilmente se não tivessem estado prontos a morrer por sua profissão. O Evangelho nos tempos antigos nunca teria se espalhado a tal taxa maravilhosa, se não fosse que todos os pregadores do evangelho estavam prontos a qualquer tempo para atestar sua mensagem com seu próprio sangue. Mas o sangue de Cristo "fala melhor do que o de Abel." O sangue de Abel ratificou seu testemunho, e o sangue de Cristo ratificou seu testemunho também; mas o testemunho de Cristo é melhor que o de Abel. Pois qual é o testemunho de Cristo? A aliança da graça — aquela aliança eterna. Veio a este mundo para dizer-nos que Deus havia desde o princípio escolhido seu povo — que os havia ordenado à vida eterna, e que havia feito uma aliança com seu filho Jesus Cristo de que se pagasse o preço deveriam ir livres — se sofresse em seu lugar deveriam ser libertados. E Cristo clamou antes que "inclinasse a cabeça e entregasse o espírito" — "Está consumado." O propósito da aliança está consumado. Aquele propósito era "consumar a transgressão, e dar fim aos pecados, e fazer reconciliação pela iniquidade, e trazer a justiça eterna." Tal foi o testemunho de nosso Senhor Jesus Cristo, como seu próprio sangue jorrou de seu coração, para ser o selo da estampa, e selo, de que a aliança foi ratificada. Quando vejo Abel morrer sei que seu testemunho foi verdadeiro; mas quando vejo Cristo morrer sei que a aliança é verdadeira.
Quando inclinou a cabeça e entregou o espírito, fez tanto quanto dizer: "Todas as coisas são seguras à semente por meu dar-me como vítima." Vem, santo, e vê a aliança toda manchada de sangue, e sabe que é segura. Ele é "a testemunha fiel e verdadeira, o príncipe dos reis da terra." Primeiro dos mártires, meu Senhor Jesus, tiveste melhor testemunho para testemunhar que todos eles, pois testemunhaste da aliança eterna; testemunhaste que és o pastor e bispo das almas; testemunhaste do afastamento do pecado pelo sacrifício de ti mesmo. Novamente: digo, vinde, ó povo de Deus, e lede o rolo dourado. Começa na eleição — termina na vida eterna, e tudo isto o sangue de Cristo clama em vossos ouvidos. Tudo isto é verdadeiro; pois o sangue de Cristo prova ser verdadeiro, e ser seguro a toda a semente. "Fala melhor do que o de Abel."
Agora vimos à terceira voz, pois o sangue de Abel teve um som tríplice. Falou na consciência de Caim. Endurecido embora fosse, e como um demônio em seu pecado, contudo não era tão surdo em sua consciência que não pudesse ouvir a voz do sangue. A primeira coisa que o sangue de Abel disse a Caim foi isto: Ah! miserável culpado, por derramar o sangue de teu irmão! Enquanto o via escorrendo da ferida e fluindo em correntes, olhou para ele, e como o sol brilhou sobre ele, e o clarão vermelho veio a seu olho, pareceu dizer: "Ah! miserável amaldiçoado, pois o filho de tua própria mãe mataste. Tua ira foi vil o bastante, quando teu semblante se abateu, mas erguer-te contra teu irmão e tirar sua vida, Oh! quão vil!" Pareceu dizer-lhe: "Que havia ele feito para que lhe tirasses a vida? Em que te havia ofendido? Não foi sua conduta irrepreensível, e sua conversação pura? Se tivesses ferido um vilão ou um ladrão, os homens poderiam não ter te culpado; mas este sangue é puro, limpo, sangue perfeito; como pudeste matar tal homem?" E Caim pôs sua mão através de sua testa, e sentiu que havia um senso de culpa ali que nunca havia sentido antes. E então o sangue disse-lhe novamente: "Ora, para onde irás? Serás vagabundo enquanto viveres." Um frio arrepio passou através dele, e disse: "Qualquer que me achar, me matará." E embora Deus lhe prometesse que viveria, sem dúvida sempre teve medo. Se visse uma companhia de homens juntos, esconder-se-ia num matagal, ou se em suas andanças solitárias visse um homem à distância, recuaria, e procuraria enterrar a cabeça, para que nenhum o observasse. Na quietude da noite despertava sobressaltado em seus sonhos. Era apenas sua esposa que dormia ao seu lado; mas pensou que sentiu as mãos de alguém agarrando sua garganta, e prestes a tirar sua vida. Então sentar-se-ia em sua cama e olharia ao redor para as sombras sombrias, pensando que algum demônio o estava assombrando e procurando por ele. Então, enquanto se erguia para ir cuidar de seus negócios, tremia. Tremia de estar só, tremia de estar em companhia. Quando estava só parecia não estar só; o fantasma de seu irmão parecia fitá-lo na face; e quando estava em companhia temia a voz dos homens, pois parecia pensar que todos o amaldiçoavam, e pensou que todos sabiam o crime que havia cometido, e sem dúvida sabiam, e todo homem o evitava. Nenhum homem tomaria sua mão, pois estava vermelha de sangue, e sua própria criança sobre seu joelho tinha medo de olhar para a face de seu pai, pois havia a marca que Deus havia posto sobre ele. Sua própria esposa mal podia falar com ele — pois tinha medo de que dos lábios daquele que havia sido amaldiçoado por Deus alguma maldição pudesse cair sobre ela. A própria terra o amaldiçoou. Não mais punha o pé sobre o chão, do que onde havia sido um jardim antes subitamente se tornava um deserto, e o solo rico e fértil tornava-se endurecido numa rocha árida. Culpa, como um camareiro sombrio, com dedos vermelhos sangrentos, puxava a cortina de sua cama cada noite. Seu crime recusava-lhe sono. Falava em seu coração, e as paredes de sua memória reverberavam o clamor moribundo de seu irmão assassinado. E sem dúvida aquele sangue falou mais uma coisa a Caim. Disse: "Caim, embora possas agora ser poupado não há esperança para ti; és um homem amaldiçoado na terra, e amaldiçoado para sempre, Deus te condenou aqui, e te condenará depois." E assim onde quer que Caim fosse, nunca achou esperança. Embora a procurasse no topo da montanha, contudo não a achou ali. Esperança que foi deixada a todos os homens, foi negada a ele: um vagabundo sem esperança, sem casa, desamparado, vagou pela superfície da terra. Oh! o sangue de Abel teve uma voz terrível de fato.
Mas agora vede a doce mudança enquanto escutais o sangue de Cristo. "Fala melhor do que o de Abel." Amigo! jamais ouviste o sangue de Cristo em tua consciência? Eu ouvi, e agradeço a Deus que jamais ouvi aquela voz doce e suave.
Orou: pensou que estava orando em vão. As lágrimas jorraram de seus olhos; seu coração estava pesado dentro dele; procurou, mas não achou misericórdia. Novamente, novamente, e ainda novamente, sitiou o trono da graça celestial e bateu à porta da misericórdia. Oh! quem pode contar a pedra de moinho que jazia sobre seu coração palpitante, e o ferro que comia sua alma. Era um prisioneiro em cativeiro doloroso; profundamente, como pensou, no cativeiro do desespero estava acorrentado, para perecer para sempre. Aquele prisioneiro um dia ouviu uma voz, que lhe disse: "Fora, fora para o Calvário!" Contudo tremeu à voz, pois disse: "Por que deveria ir até lá, pois ali meu pecado mais negro foi cometido; ali assassinei o Salvador por minhas transgressões? Por que deveria ir ver o cadáver assassinado daquele que se tornou meu irmão nascido para a adversidade?" Mas a misericórdia acenou, e disse: "Vem, vem embora, pecador!" E o pecador seguiu. As correntes estavam em suas pernas e em suas mãos, e mal podia rastejar. Ainda o abutre negro Destruição parecia pairando no ar. Mas rastejou como pôde melhor, até chegar ao pé da colina do Calvário. No cume viu uma cruz; sangue estava destilando das mãos, e dos pés, e do lado, e a misericórdia tocou seus ouvidos e disse: "Escuta!" e ouviu aquele sangue falar; e enquanto falava a primeira coisa que disse foi: "Amor!" E a segunda coisa que disse foi: "Misericórdia!" A terceira coisa que disse foi: "Perdão." A próxima coisa que disse foi: "Aceitação." A próxima coisa que disse foi: "Adoção." A próxima coisa que disse foi: "Segurança." E a última coisa que sussurrou foi: "Céu."
E enquanto o pecador ouviu aquela voz, disse dentro de si: "E fala aquele sangue a mim?" E o Espírito disse: "A ti — a ti fala." E escutou, e oh que música pareceu ao seu pobre coração perturbado, pois num momento todas as suas dúvidas se foram. Não tinha senso de culpa. Sabia que era vil, mas viu que sua vileza estava toda lavada; sabia que era culpado, mas viu sua culpa toda expiada, através do sangue precioso que estava fluindo ali. Havia estado cheio de pavor antes; temia a vida, temia a morte; mas agora não tinha pavor algum; uma confiança alegre tomou posse de seu coração. Olhou para Cristo, e disse: "Sei que meu Redentor vive;" abraçou o Salvador em seus braços, e começou a cantar: — "Oh! confiante estou; pois este sangue bendito foi derramado por mim." E então Desespero fugiu e Destruição foi expulsa completamente, e em seu lugar veio o anjo brilhante de asas brancas da Certeza, e ela habitou em seu peito, dizendo sempre a ele: "És aceito no Amado: és escolhido de Deus e precioso: és seu filho agora, e serás seu favorito através da eternidade." "O sangue de Cristo fala melhor do que o de Abel."
E agora devo fazer-vos notar que o sangue de Cristo tem uma comparação com o sangue de Abel num ou dois aspectos, mas excele em todos eles.
O sangue de Abel clamou "Justiça!" Era apenas direito que o sangue fosse vingado. Abel não tinha pique privado contra Caim; sem dúvida pudesse Abel tê-lo feito, teria perdoado seu irmão; mas o sangue falou justamente, e apenas pediu seu devido quando gritou "Vingança! vingança! vingança!" E o sangue de Cristo fala justamente, quando diz: "Misericórdia!" Cristo tem tanto direito de demandar misericórdia sobre pecadores, quanto o sangue de Abel teve de clamar vingança contra Caim. Quando Cristo salva um pecador, não o salva às escondidas, ou contra lei ou justiça, mas o salva justamente. Cristo tem direito de salvar a quem quer salvar, de ter misericórdia de quem quer ter misericórdia, pois pode fazê-lo justamente, pode ser justo, e contudo ser o justificador do ímpio.
Novamente, o sangue de Abel clamou efetivamente. Não clamou em vão. Disse: "Vingança!" e vingança teve. E o sangue de Cristo, bendito seja seu nome, nunca clama em vão. Diz: "Perdão;" e perdão todo crente terá; diz: "Aceitação," e todo penitente é aceito no Amado. Se aquele sangue clama por mim, sei que não pode clamar em vão. Aquele sangue todo-prevalecente de Cristo nunca perderá seu devido; deve, há de ser ouvido. O sangue de Abel sobressaltará o céu, e não alcançará o sangue de Cristo os ouvidos do Senhor Deus dos Exércitos?
E novamente, o sangue de Abel clama continuamente, há o propiciatório, e há a cruz, e o sangue está gotejando sobre o propiciatório. Pequei um pecado. Cristo diz: "Pai, perdoa-lhe." Há uma gota. Peco novamente: Cristo intercede novamente. Há outra gota. De fato, é a gota que intercede, Cristo não precisa falar com sua boca; as gotas de sangue quando caem sobre o propiciatório, cada uma parece dizer: "Perdoa-lhe! perdoa-lhe! perdoa-lhe!"
Caro amigo, quando ouvires a voz da consciência, para e tenta ouvir a voz do sangue também. Oh! que coisa preciosa é ouvir a voz do sangue de Cristo. Vós que não sabeis o que isso significa, não conheceis a própria essência e alegria da vida; mas vós que entendeis isso, podeis dizer: "O gotejar do sangue é como a música do céu sobre a terra." Pobre pecador! pedir-te-ia que viesses e escutasses aquela voz que destila sobre teus ouvidos e teu coração hoje. Estás cheio de pecado; o Salvador ordena-te levantar teus olhos para ele. Vê, ali, seu sangue está fluindo de sua cabeça, suas mãos, seus pés, e cada gota que cai, ainda clama: "Pai, ó perdoa-lhes! Pai, ó perdoa-lhes." E cada gota parece clamar também enquanto cai: "Está consumado: fiz fim do pecado, trouxe a justiça eterna." Oh! doce, doce linguagem do gotejar do sangue de Cristo! "Fala melhor do que o de Abel."
Tendo assim, confio, suficientemente ampliado sobre este assunto agora fecharei dirigindo-vos com algumas palavras fervorosas concernentes ao segundo ponto. — A CONDIÇÃO EM QUE TODO CRISTÃO É COLOCADO. É dito ter "vindo ao sangue da aspersão." Farei desta questão muito breve, mas muito solene e direta. Meus ouvintes, viestes ao sangue de Cristo? Não vos pergunto se viestes a um conhecimento de doutrina, ou a uma observância de cerimônias, ou a uma certa forma de experiência; mas pergunto-vos se viestes ao sangue de Cristo. Se viestes, sei como viestes. Deveis vir ao sangue de Cristo sem méritos próprios. Culpados, perdidos, e desamparados, deveis vir àquele sangue, e apenas àquele sangue, para vossas esperanças; vindes à cruz de Cristo e àquele sangue também, sei, com um coração trêmulo e dolorido. Alguns de vós lembram como viestes primeiro, abatidos e cheios de desespero; mas aquele sangue vos recuperou. E esta uma coisa sei: se viestes àquele sangue uma vez, vireis a ele todo dia. Vossa vida será exatamente isto — "Olhando para Jesus." E toda vossa conduta será epitomizada nisto — "Ao qual chegando como a uma pedra viva." Não ao qual cheguei, mas ao qual estou sempre chegando. Se jamais vieste ao sangue de Cristo sentirás tua necessidade de vir a ele todo dia. Aquele que não deseja lavar-se naquela fonte todo dia, nunca se lavou nela de todo modo. Sinto todo dia ser minha alegria e meu privilégio que há ainda uma fonte aberta. Confio que vim a Cristo anos atrás mas ah! não poderia confiar naquilo, a menos que pudesse vir novamente hoje. Experiências passadas são coisas duvidosas a um cristão; é presente vir a Cristo que deve dar-nos alegria e conforto. Não cantastes, alguns de vós, vinte anos atrás aquele hino:
Ora, amados podeis cantá-lo tão bem hoje quanto fizestes então. Estava lendo outro dia algum livro, no qual o autor afirma, que não devemos vir a Cristo como pecadores enquanto vivermos; diz que devemos crescer em santos. Ah! não sabia muito, tenho certeza; pois santos são pecadores ainda, e sempre têm de vir a Cristo como pecadores. Se jamais for ao trono de Deus como santo, sou repelido; mas quando vou exatamente como um pobre pecador humilde buscador, confiando em nada senão teu sangue, ó Jesus, nunca posso ser repelido, tenho certeza. Ao qual chegando como a "sangue que fala melhor do que o de Abel." Deixai esta ser nossa experiência todo dia.
Mas há alguns aqui que confessam que nunca vieram. Não posso exortar-vos, então, a vir todo dia, mas exorto-vos a vir agora pela primeira vez. Mas dizeis: "Posso vir?" Sim, se estás desejando vir podes vir; se sentes que tens necessidade de vir podes vir.
Mas dizeis: "Devo trazer alguns méritos." Escutai o sangue que fala! Diz: "Pecador, estou cheio de mérito: por que trazer teus méritos aqui?" "Ah! mas," dizes "tenho pecado demais." Escutai o sangue: enquanto cai, clama: "De muitas ofensas para justificação de vida." "Ah! mas," dizes, "sei que sou culpado demais." Escutai o sangue! "Ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, torná-los-ei brancos como a lã; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, tornar-se-ão como a neve." "Não," diz um, "mas tenho tal desejo pobre, tenho tal fé pequena." Escutai o sangue! "A cana trilhada não quebrarei, e o pavio que fumega não apagarei." "Não, mas," dizes, "sei que me lançará fora, se vier." Escutai o sangue! "Todos os que o Pai me dá virão a mim, e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora." "Não, mas," dizes, "sei que tenho tantos pecados que não posso ser perdoado." Ora, ouvi o sangue mais uma vez, e terminei. "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado." Esse é o testemunho do sangue, e seu testemunho a ti. "Há três que testificam na terra, o Espírito, e a água, e o sangue;" e eis que o testemunho do sangue é — "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo pecado." Vem, pobre pecador, lança-te simplesmente sobre aquela verdade. Fora com tuas boas obras e todas as tuas confianças! Deita-te simplesmente sobre aquela doce palavra de Cristo. Confia em seu sangue; e se puderes pôr tua confiança apenas em Jesus, em seu sangue aspergido, há de falar em tua consciência melhor do que o de Abel.
Temo que há muitos que não sabem o que queremos dizer por crer. O bom Dr. Chalmers uma vez visitando uma pobre mulher velha, disse-lhe para crer em Cristo, e ela disse: "Mas essa é exatamente a coisa que não sei o que quereis dizer." Assim Dr. Chalmers disse: "Confia em Cristo." Ora, esse é exatamente o significado de crer. Confia nele com tua alma; confia nele com teus pecados; confia nele com o futuro; confia nele com o passado; confia nele com tudo. Diz:
Possa o Senhor agora dar-vos sua bênção; pelo bem de Jesus Cristo. Amém.